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A voz dos esquecidos: o legado de Papa Francisco na defesa da Amazônia, dos povos indígenas e dos marginalizados

O mundo se despede nesta segunda-feira (21) de uma das vozes mais firmes e compassivas do nosso tempo. Papa Francisco, falecido aos 88 anos em Roma, deixa um legado que vai além dos muros do Vaticano: uma liderança espiritual voltada aos que raramente têm espaço nas grandes decisões. Entre seus maiores compromissos, destacou-se a defesa dos povos indígenas, da floresta amazônica e dos pobres do mundo.
Desde o início de seu pontificado, em 2013, Jorge Mario Bergoglio, o primeiro papa latino-americano da história, sinalizou que não se calaria diante das injustiças sociais e ambientais. Seus discursos, visitas e documentos apostólicos refletiram uma Igreja mais engajada com os clamores da terra e dos excluídos.
O Sínodo da Amazônia: um marco histórico
Em 2019, Francisco convocou o Sínodo para a Amazônia, uma assembleia que reuniu bispos, lideranças indígenas e representantes sociais de diversos países da Pan-Amazônia, incluindo o Brasil. Realizado no Vaticano, o evento foi um divisor de águas: colocou os povos indígenas no centro do debate e escancarou a urgência de preservar a floresta e seus habitantes.
Foi durante esse encontro que o Papa reforçou sua crítica ao modelo econômico que explora os recursos naturais em detrimento da vida humana e espiritual. “A destruição da floresta é um pecado contra Deus”, declarou, diante de autoridades do mundo todo.
O Sínodo resultou na exortação apostólica Querida Amazônia, publicada em 2020, na qual Francisco expressou seus quatro grandes sonhos: um sonho social, cultural, ecológico e eclesial para a região. Ele propôs uma Igreja com rosto amazônico, inculturada, aberta ao diálogo com os saberes ancestrais e verdadeiramente solidária com os povos originários.
A presença da Amazônia na agenda do Vaticano
Francisco foi o primeiro pontífice a usar termos como “ecocídio” e a denunciar com firmeza os interesses econômicos que avançam sobre os territórios indígenas. Falava com coragem sobre a “ganância das grandes corporações” e a “indiferença dos governos” diante da devastação da floresta.
Nos últimos anos, intensificou seus apelos ambientais diante da crise climática global, posicionando-se como um dos principais líderes globais em defesa da ecologia integral. Em diversas ocasiões, elogiou o papel das comunidades tradicionais da Amazônia na proteção da biodiversidade e criticou com veemência a destruição dos biomas tropicais.
Francisco e os povos originários: escuta e respeito
Mais do que palavras, Francisco se dedicou a ouvir. Recebeu indígenas no Vaticano, visitou regiões esquecidas da América Latina e incorporou seus relatos aos discursos oficiais da Igreja. Sempre que possível, defendeu o direito à autodeterminação dos povos originários e reconheceu os impactos históricos do colonialismo.
Na Querida Amazônia, escreveu:
“É possível acolher uma espiritualidade indígena sem reduzir os povos originários a objetos de museu. Eles têm muito a nos ensinar.”
Um legado para o Brasil e para a Amazônia
Com a realização da COP na Amazônia (Belém) — a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas — o discurso de Francisco sobre justiça climática, cuidado com a casa comum e protagonismo dos povos tradicionais se torna ainda mais atual. Seu pensamento segue inspirando lideranças sociais, ambientais e espirituais, conectando fé, território e compromisso com a vida.
No Brasil, suas palavras reverberaram desde as comunidades eclesiais de base até as grandes conferências internacionais. Inspiraram ações pastorais, reforçaram denúncias de violações ambientais e ajudaram a fortalecer redes de proteção da floresta e dos seus povos.
Agora, com sua partida, o mundo reflete sobre o futuro de uma Igreja que ousou se colocar ao lado dos esquecidos e da floresta. O Papa Francisco não apenas falou pela Amazônia — sua voz permanece defendendo cada árvore, cada rio, cada comunidade que resiste.